Sobre definir o que eu faço. Será arte? Será vida? Será outra coisa? Será que precisa ser definido?






As lucubrações a seguir foram inspiradas na leitura do texto "Etnocenologia, Manifesto".

    Talvez o que eu faça não precise ser definido. Será teatro? Será circo? Performance? Criação? Poiesis? Não importa. Como o Dhamma, o que mais interessa é que os praticantes consigam entender os fundamentos do que se está fazendo. E quais são os objetivos de se aprender esses fundamentos. Para mim, os fundamentos são a técnica muscular revisada para incluir a prática sonora. E o objetivo é o desenvolvimento da obra final (não a produção artística, que para mim é apenas um subproduto, mas o desenvolvimento do ser humano que a pratica. A obra final não precisa ser categorizada, pois esta técnica pode ser usada para muitas finalidades artísticas ou não. Praticando esses fundamentos técnicos é possível criar obras teatrais, circences, danças, ritos, pinturas, criações de todo tipo e não apenas "obras", isto é, produtos artísticos. O desenvolvimento dessas práticas tem um objetivo mais de enriquecer a experiência humana por meio de vivências tanto simbólicas quanto poéticas onde possa haver expressão de todas as formas. Expressar-se integralmente tanto individualmente quanto em coletivo em um grande jogo de infinitas possibilidades.

    Por isso, o que proponho não é um espaço diferente da vida cotidiana, mas apenas um campo de treinamento para esta própria vida. Digo isto, pois tendo vivido já 20 anos realizando atividades artísticas, para mim, é muito difícil distinguir entre vida cotidiana e atividade artística. Evidentemente que há um momento em que eu estou materializando um produto artístico, como quando estou no palco, mas esta atividade se difere da minha maneira cotidiana de ser apenas pela necessidade de satisfazer noções sociais pré-concebidas sobre o que é "fazer arte". Para mim, arte é a minha vida e minha vida é arte, portanto, já não posso mais fazer essa distinção. Por isso, a obra não é o produto artístico, mas sim o meu próprio desenvolvimento, minha própria adaptação e interferência no mundo como SER.

    O estudo integrado dos campos artísticos (como qualquer campo de conhecimento ou atividade humana) impõe um problema de definição ontológica. A medida que as fronteiras entre as atividades humanas são borradas ou rompidas fica cada vez mais difícil definir O QUE se está fazendo. Isto ocorre, pois essas divisões são tão antigas e entrenhadas nas culturas humanas que a sua própria existência ajudou a criar os termos que as definem. Quando realizamos atividades híbridas ou íntegras, faltam-nos palavras, os termos correntes na nossa língua não dão conta da totalidade da experiência vivida.

Para resolver este problema, podemos adotar 3 caminhos:

  1. Tentar futilmente definir a experiência usando palavras que já existem e que estão fadadas a deixar algo a desejar ou então a se tornarem uma aglomerado complexo de palavras e termos técnicos compreensível apenas aos especialistas. Inicialmente eu chamei o que faço de poiesis cênica multiexpressiva. Um termo totalmente convoluto. 

  2. Inventar palavras novas que ainda não existem. Por exemplo, como a experiência que proponho não tem igual, tanto posso chamá-la como desejar. Certa vez ainda inventei um nome para ela: ATumtum. A escolha por esse nome não provém de nenhuma noção pré-existente, mas sim de um momento em que pensei, como poderíamos chamar esta atividade e este conjunto de sílabas se formou intuitivamente no meu imaginário. A problema com esta abordagem é o seu hermetismo. Se ninguém mais utilizar o termo "ATumtum" este se tornará uma palavra em uma língua com apenas um falante ou, em outras palavras, uma lingua morta.

  3. Uma terceira abordagem está em esquivar-se de definições e focar apenas nas atividades realizadas. Por exemplo, o que faço é uma atividade experiencial onde todos se juntam presencialmente e realizam movimentos e sons de uma maneira específica com o objetivo de se enriquecerem suas possibilidades expressivas e que, ocasionalmente geram um sub-produto socialmente compreendido por "artístico".

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