Reflexões sobre Capítulo II de Jorge Dubatti “O teatro dos Mortos”

 




Reflexões sobre Capítulo II de Jorge Dubatti “O teatro dos Mortos”



Talvez seja melhor usar o termo Teatro em vem de Artes Cênicas afinal de contas. Também é um termo que me apaixona mais.


Devo aceitar que as teorias que eu propuz são territorializadas. Por isso, o que faço também é uma cartografia do território específico de Brasília na tradição (que agora parece que começa a se estabelecer como uma tradição) da linguagem de Hugo Rodas. Ainda que essa linguagem não seja muito bem definida, ela de fato tem uma cara que é inconfundível: câmera lenta, fotos, espetacularidade, abordagem política da dramaturgia e visceralidade da performance teatral são apenas algumas das partes mais visíveis dessa tradição. Não tem nada de errado em formular teorias que são localizadas, que não são universais. Aliás, talvez seja desonesto tentar pensar em teorias universais uma vez que eu não tenho acesso à praxis teatral de outros lugares que não a minha experiência própria.


Poiesis Teatral:

  • É dividida em 3 partes (p.47):

    • Poética: o acontecimento geral do teatro em toda a sua metafísica e realidade.

    • poética: o discurso sobre o acontecimento teatral circunstancial. Uma peça específica por exemplo.

    • Poética comparada: o estudo comparado dos acontecimentos teatrais em diferentes territorializações. Em suma uma comparação entre diversas poéticas.

  • É temporalmente efêmera (p.49). [isso para mim é interessante, pois delimitou a efemeridade do acontecimento teatral não enquanto experiência em si, pois suas repercussões atravessam muitos tempos, mas que o acontecimento em si tem uma liminaridade temporal no sentido do cronotopos , como seria se fosse a partir do Kairotopos?]

  • é imprevisível e impredizível (p.49) [o que me interessa é a distinção entre visível (movimento) e dizível (som), talvez isso seja um indício de como a poiesis tem aspectos visuais e outros sonoros. Se bem que Dubatti aqui se refira mais ao fato de que não se pode a priori dizer nada sobre a poiesis antes que ela aconteça. Talvez, para mim ela seja imprevisível e impreaudível]

  • funda um espaço de alteridade para com a realidade cotidiana (p.49) que escapa ao Chronotopos cotidiano, isto é, às regras de tempo e espaço convencionais. [Me pergunto se o que acontece nesse espaço de alteridade é um outro Chronotopos ou se toda a experiência poética se trata de um Kairotopos onde todos os espaços criados são sujeitos a um tempo oportuno onde se deve agir com maior presença e realidade. Nas palavras de Dubatti o que chamo de intensidade geraria uma densidade ontológica]

  • Gera se uma situação de alteridade e desterritorialização a partir dos elementos territoriais daquela realidade cotidiana (p.50). [aqui os elementos territoriais que tenho acesso na minha pesquisa seriam a Técnica Muscular, aqueles instrumentos musicais específicos, os elementos cênicos que decidamos investigar como malabares, por exemplo.]

  • A percepção dessa alteridade e o seu contraste com a realidade cotidiana gera uma concepção de teatro, isto é, o que cada sociedade considera como teatro. Essa alteridade teatral não está sujeita às regras cotidianas, mas sim as suas próprias regras. (p.51)

  • Função ontológica da poiesis(p.51-52): “A função primária da poiesis não é a comunicação nem a geração semiótica, de sentidos ou, ainda, a simbolização cultural, mas a instauração ontológica: fazer um mundo existir, fazer nascer (…) um novo ente. [Essa noção aproxima o ato poético da criação. É bastante filosófico e poeticamente lindo. Mas sobretudo, se um novo mundo é criado, aquilo não é uma representação, uma ilusão, mas sim uma realidade soberana. E é por isso que o ator deve buscar a intensidade maxima da sua experiência cênica. O meu argumento, que parte da experiência com Hugo Rodas, é que não há poiesis verdadeira da parte do ator se não houver uma intensidade afetiva.]

  • O corpo poético se constitui da densidade ontológica da realidade que ele cria (p.53). [Quanto mais densa essa realidade mais real e palpável se torna o corpo poético]. Esse processo gera uma des-subjetivação do corpo natural-social para o corpo poético. [Eu adorei esse conceito, como atingir efetivamente essa des-subjetivação é um dos objetos da minha pesquisa, talvez o ator de des-subjetivar seja o elo transdisciplinar que une as diversas disciplinas. Isto é, para tocar como um ator eu tenho que esquecer que eu não sei tocar e assumir um corpo poético que sabe tocar, somente assim o som se produzirá de forma segura ainda que sem técnica musical.]

  • Nem tudo que acontece no teatro é signo. (p.53-54) Há uma dimensão semiótica e outro pré-semiótica. A pré-semiótica é tudo aquilo que não é expresso em signo, mas que densifica o corpo poético [ na Técnica Muscular seria o aspecto da Sensibilidade] já a semiótica é o que expressa o signo [ na Técnica Muscular seria o aspecto do Domínio do Movimento e a Voz Muscular].


Me pergunto se o que estou buscando na minha pesquisa não seja uma transdisciplinaridade, mas uma transpoética. Isto é, não um mapeamento de princípios unificadores entre disciplinas, mas entre formas de se criar sensivelmente. Pois a base de toda a proposta é o sensível.


Também com relação à minha pesquisa: semioticamente eu quero determinar quais são os meios de comunicação do artísta e pré-semioticamente como atingir a densidade ontológica necessária para se ter um corpo poético cada vez mais presente.


Micropoética, Macropoética e Poética Abstrata: Interessante essa análise mapeando a floresta de poéticas. (p59-60)


Poética Comparada: Quando Dubatti define e explica a sua poética comparada ele utiliza uma metodologia tríplice de trabalho-estrutura-concepção de teatro. Onde o trabalho é a ação humana de um ponto de vista marxista. (p.61) [Gostaria de propor uma alternativa, pois não me agrada ver a atividade teatral como um trabalho no sentido de produzir riqueza, mas sim como uma atividade transcendente espiritual, uma atividade que serve não para produzir algo, mas para transformar e aprimorar o ente vivente que a pratica]


“A análise de um texto é o meio para se chegar à poética: por isso falo em analisar o drama “a partir do” texto dramático (…). (p.61) [ele exlui o ator? Como assim a poética tem que ser a partir do texto dramático? Parece as ideias do Íon de Platão]


“(...) toda poética teatral sustenta-se em uma concepção de teatro (...)” Chamo concepção de teatro como o teatro concebe a si mesmo e suas relações com seu meio territorial. (p.62) [Fato, é preciso pensar primeiro que o que se está fazendo é teatro para poder criar no teatro]


O pesquisador deve assumir uma postura pluralista em sua análise, pois as concepções de teatro são plurais, pois territoriais. [para a minha pesquisa, isso implica que meu laboratório parte das técnicas teatrais que eu aprendi com o Hugo no contexto territorial de Brasília/ATA/UnB/Plano Piloto, etc...


Qual é a metodologia para construir a base epistemológica do estudo teatral? Indagá-la a partir de 5 itens básicos:

  1. Com se concebe a entidade da poiesis? [experimentação, auto-pesquisa e investigação de possibilidades como os instrumentos, por exemplo]

  2. Como se concebe a entidade do mundo? [território Brasília/ATA/UnB/Hugo Rodas, etc...]

  3. Como se concebe a articulação entre ambos? [Por meio do encontro, da transmissão de conhecimentos e da criação de espetáculos]

  4. Que estatuto o artista adquire enquanto criador? [A ideia é que ele seja um incorporado, um corpo poético que almeje a maior densidade possível naquela alteridade]

  5. Como se concebe a função ontológica do teatrista, isto é, o pesquisador? [Um teatrista participante, produtor das provocações e também provocado por elas, um herdeiro da técnica muscular]


Outra pergunta: “Há poiesis? Que valor é atribuida a ela? Bom, ruim, etc...”


Lista dos corolários para o estudo da poiesis AXIOMAS:


  1. Homo poietucus: a poiesis é o que diferencia o homem.

  2. Eleva a Poética Teatral a uma disciplina científica da teatralidade.

  3. Distinção terminológica: Poiesis teatral, Poética teatral, poética teatral, Poética Comparada e Corpo Poético.

  4. Poética pode ser implícita (eterna e abstrata) ou explícita (provisória e manifesta)

  5. A origem e o meio da poiesis teatral é a ação corporal in vivo.

  6. Há três poiesis: a produtora (do artista), receptora (a do público) e convivial (o resultado da junção das outras duas)

  7. A poiesis é sempre única, nunca repetível. Temporalmente efêmera, imprevisível e impredizível.

  8. As ações corporais do ator produzem uma nova forma que impõe sua vontade ao meio.

  9. Essa nova forma enforma os materiais fornecidos pela realidade cotidiana.

  10. A poiesis formada a partir da alteridade pode ser vista por três campos:

    1. da experiência cotidiana

    2. da afetação pela liminaridade entre a vida cotidiana e o estado poético

    3. do ente poético em si

  11. Natureza oximórica da poiesis é ao mesmo tempo territorial (no cotidiano) e desterritorial (na alteridade poética)

  12. Essa alteridade de desteritorialidade gera um mundo paralelo ao mundo que possui suas próprias regras.

  13. Aqui ele lista os campos em que essas regras se alteram.

  14. A poiesis é necessariamente metafórica, mas nem sempre ficcional.

  15. A percepção da poiesis se altera conforme as características territoriais de quem a experiencia, gerando uma concepção de teatro.

  16. Para a elaboração da concepção de teatro faço as 5 perguntas acima.

  17. A concepção de teatro fundamenta as bases epistemológicas para a pesquisa.

  18. Função ontológica da poiesis: sua principal função é criar mundos novos.

  19. A poiesis possui uma dimensão auto-poietica independente do artista e do espectador.

  20. Mais que significar, a poiesis acontece: o signo, a comunicação é um resultado disso.

  21. O acontecimento poietico gera um mirante ontológico: uma visão para outro mundo.

  22. A matéria enformada gera um ente poético

  23. descreve todos os componentes do corpo poético em sua densidade.

  24. O teatro é um acontecimento de ausências e de presenças, mas principalmente de presenças.

  25. A poética comparada põe em jogo a territorialidade das poéticas.

  26. Há 4 tipos de poética: micro, macro, abstrata e de segundo grau (poéticas dentro de micropoéticas)

  27. A interação indutiva ou dedutiva entre as poéticas gera uma floresta de poéticas.

  28. Micro, macro e arquipoéticas coexistem: Comunidade poética.

  29. Todos na comunidade poética estão interligados.

  30. Pode se compor uma história das poéticas por meio dessas interligações.

  31. Proposta metodológica: estudar a poéticas no trinômio trabalho-estrutura-concepção.

  32. Uma história das poéticas é uma história dos seus trabalhos, estruturas e concepções.

  33. O trabalho é o motor principal das poéticas.

  34. Por isso, ao estudar o trabalho é fundamental a subjetividade do criador. Quem é esse trabalhador?

  35. Conforme se pensa a concepção de teatro, muda a poética. O pesquisador deve fazer uma caracterização sólida de qual é a concepção a sem investigada.

  36. Diversidade de poéticas implica que o pesquisador assuma uma postura pluralista.

  37. Entre as poéticas há relações necessárias (históricas) e outras contingentes.

  38. Não há concepção de teatro, nem bases epistemológicas universais que sirvam para toda poética. Negar isso é uma postura monística que tem que ser combatida.

  39. Lista algumas formas pluralistas de investigar a historicidade das poéticas.

  40. Duas perguntas fundamentais: Há poiesis? Qual é o valor atribuido a ela?

  41. A filosofia do teatro vê a semiótica poética como subsidiária ao estudo ontológico da mesma. A Poética é antes ontológica e por isso é semiótica e não o inverso.

  42. Lei de poietização: Tudo se transforma em poiesis, mas nem tudo se transforma em signo.

  43. Há tanto um status objetivo da poiesis quanto subjetivo. Compreendê-la significa entender o diálogo entre esses dois status.

  44. O crítico tem que ter uma atitude “companheira” com relação à sua visão objetiva da poiesis.

  45. A ação corporal é o princípio da poiesis, por isso, a performatividade esté sempre presente no teatro.Mas nem toda performance é poética, para tanto ela precisa da atitude companheira do público para convivialmente criarem um mundo novo. [Isso para mim esclaresceu um ponto importante: performatividade tem a ver com uma atividade do corpo, uma destreza do corpo. Poiesis, tem a ver com uma atitude criativa]

  46. Na vida cotidiana, constantemente exercitamos distinções ontológicas entre entre os acontecimentos do mundo.

  47. As tensões ontológicas entre vida cotidiana e poiesis devem ser revistas historicamente para revelar a complexidade da interrelação entre essas duas concepções de mundo. [A questão da separação ou união da arte e vida]

  48. A construção da poética opera também por uma infrasciência, isto é, concepões a priori que só se revelam a utilidade a posteriori.

  49. A monumentalidade de uma obra não reside em sua capacidade de semiotização, mas na relevância de seu ente poético.

  50. No acontecimento teatral confluem diversos mateirais informados da densidade, mas haverão formas que se acentuam sobre as outras.

  51. Diante da ampliação do conceito de “teatro” não é preciso distiguir entre dança, teatro de animação, narrativo ou outras poéticas, mas sim focar no que elas tem de comum: a formação de corpos poéticos que combinam de diversas maneiras, por meio de diversos procedimentos, trabalhos e concepções, os componentes da densidade ontológica. [será essa a definição dos princípios unificadores que eu procuro em minha pesquisa? Seria a união das artes a capacidade poietica?]



O que mais me interessa nesse texto:

    • Função ontológica do teatro

    • Leva à poiesis.

    • Poiesis cria um corpo poético.

    • Esse corpo poético tem diversos níveis de densidade.

    • Semiótico x não-semiótico: o copor poético é não-semiótico, mas ele influência a parte semiótica da apresentação.



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