Reflexões sobre Campo Ampliado inspiradas pelo artigo A escultura no campo expandido de Rosalind Krauss.
Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/52118
No artigo, Krauss explica a historicidade da conceituação do que é a escultura. Primeiramente na sua função monumental, em seguida definida como entre as negatividades (imagem abaixo) e por fim na proposta pós-modernista.
Entre as negatividades (p.133):
Como seria na minha pesquisa? Entre campos:
Proposta pós-modernista:
"Com relação à prática individual, é fácil perceber que muitos dos artistas em questão se viram ocupando, sucessivamente, diferentes lugares dentro do campo ampliado. Apesar de a experiência desse campo sugerir que a recolocação contínua de energia é totalmente lógica, a crítica de arte, ainda servil ao sistema modernista, tem duvidado desse movimento, chamando-o de eclético. A suspeita de uma trajetória artística que se move contínua e desordenadamente além da área da escultura deriva obviamente da demanda modernista de pureza e separação dos vários meios de expressão (e portanto a especialização necessária de um artista dentro de um determinado meio). Entretanto, o que parece ser eclético sob um ponto de vista, pode ser concebido como rigorosamente lógico de outro. Isto porque, no pós-modernismo, a práxis não é definida em relação a um determinado meio de expressão — escultura — mas sim em relação a operações lógicas dentro de um conjunto de termos culturais para o qual vários meios — fotografia, livros, linhas em parede, espelhos ou escultura propriamente dita possam ser usados." (p.136)
"Fica óbvio, a partir da estrutua acima exposta, que a lógica do espaço da práxis pós-modernista já não é organizada em torno da definição de um determinado meio de expressão, tomando-se por base o material ou a percepção deste material, mas sim através do universo de termos sentidos como estando em oposição no âmbito cultural.” (KRAUSS, p. 136)
“Consequentemente, dentro de qualquer uma das posições geradas por um determinado espaço lógico, vários meios diferentes de expressão poderão ser utilizados. Ocorre também que qualquer artista pode vir a ocupar, sucessivamente, qualquer uma das posições.” (KRAUSS, p. 136)
COM RELAÇÃO À MINHA PESQUISA
Me parece que pensar a minha proposta como Campo Ampliado pode ser interessante na seguinte lógica: Se a arte do ator, uma vez desobrigada da necessidade de "falar ou interpretar" um texto, começa a invadir outros campos artísticos como a dança, o canto, as artes circenses e a música, por exemplo (ou até a pintura como no caso do meu solo) ele se torna um Campo Ampliado. Isto é, a atuação, se definida apenas como a "arte das ações" se torna genérica e perde a sua especificidade técnica. Qual seria então a arte do ator se esta pode ser uma combinação de todas as outras?
Uma resolução para este problema poderia estar na função ontológica do teatro proposta por Dubatti na qual a função do teatro seria a de criar mundos antes inexistentes. Esta poiesis ontológica começaria pela densificação do corpo poético cuja base seria o corpo físico do ator. Teríamos então uma definição da arte do ator não como aquele que interpreta ou que fala o texto, mas como aquele que incorpora, por assim dizer, o corpo poético e o densifica procurando trazê-lo para o mundo sensorial físico. Assim a especificidade da arte do ator seria mantida ainda que dentro do campo ampliado, pois o corpo poético, uma vez densificado, pode realizar qualquer ação física, inclusive cantar, dançar, interpretar, tocar um instrumento, realizar acrobacias e malabarismos e muito mais.
Um paralelo metafórico desta proposta estaria na comparação com rituais afro-brasileiros como o candomblé e a umbanda onde um ancestral é incorporado no cavalo (o corpo do adepto) e realiza uma miríade de ações como dançar, abençoar, abraçar, etc... Da mesma forma, o processo de des-subjetivação do ator e re-subjetivação decorrente da densificação do corpo poético possibilita que este corpo criado, imaginário, mas ainda assim, presente e perceptível, realize diversas atividades artísticas como cantar, dançar, interpretar, etc... Evidentemente que esta comparação tem suas limitações uma vez que a natureza, origem e objetivos das práticas desses rituais afro-brasileiros e das artes cênicas são bastante diferentes.
Outra problemática com o conceito de Campo Ampliado está na sua circunscrição à atividades artísticas. Cantar, dançar e tocar podem facilmente entrar neste campo, mas se incluirmos outros aspectos da vida do artista como ancestralidade, comunidade, espiritualidade como o faz a capoeira o termo Campo Ampliado começa a perder o sentido uma vez que abraça uma parcela bastante significativa da própria existência do ser humano em questão. Dessa forma, talvez o que eu esteja procurando não é apenas a interconexão e integração de campos artísticos, mas a integralidade da vida do artista, pois a separação entre vida e arte me parece uma linha não apenas tênue, mas bastante arbitrária. Não se trata apenas de determinar o que é a arte do ator quando ela envolve tantos outros campos artísticos, mas também de questionar as limitações impostas pela própria divisão das atividades artísticas em disciplinas diferentes, assim como a divisão das atividades do ser humano em vida e arte. O Hugo já falava que "uma técnica só serve se ela for para a sua vida". Pensar em integralidade nas artes é também pensar na integralidade da vida do artista; é possível separar o pesquisador do artista, do capoeirista e do meditador?
Nesse sentido, talvez não se trate de campos artísticos, mas de filosofia de vida, como aparece em autores como Bruce Lee. Evidentemente que ele fala de artes marciais, pois esta era a sua principal atividade, mas as conclusões a que ele chega por meio das artes marciais não estão restritas à efetividade marcial, mas sim dizem sobre uma forma de se colocar no mundo. Quero ver a arte do ator da mesma maneira: como uma forma de estar no mundo. E não apenas como uma atividade separada do resto da minha existência mundana. Mestre Pastinha já falava "Capoeira é tudo que a boca come", uma referência a Exu e também um aviso para não limitar essa manifestação complexa e diversa com uma definição constrangedora. Há uma liberdade na capoeira assim como há uma liberdade na arte do ator: é tudo que a boca come.
Dito isto, como pensar tecnicamente uma arte que envolve tudo o que a boca come? Quais são as tintas, os parâmetros, os elementos que se pode trabalhar tecnicamente para se desenvolver enquanto artista?
Primeiramente tenho que dizer voltar à afirmação de Krauss “Consequentemente, dentro de qualquer uma das posições geradas por um determinado espaço lógico, vários meios diferentes de expressão poderão ser utilizados. Ocorre também que qualquer artista pode vir a ocupar, sucessivamente, qualquer uma das posições.” (KRAUSS, p. 136). Os meios de expressão podem ser diversos e se pode ocupar qualquer um deles a qualquer momento. Me parece que esta é a abordagem do capoeirista: em um momento ele joga, no outro toca, no outro canta, no outro interpreta, no outro se conecta com sua espiritualidade, em outro é espect-ator (BOAL, pois ele é ativo enquanto observa) na arte da oitiva, isto é, ele caminha por diversos meios de expressão sucessivamente e em nenhum momento deixa de ser um capoeirista. É inspirado nesta proposta capoeirística que eu planejo realizar os experimentos laboratoriais como já o fiz no TEAC e na aula em que substituí Luana Proença.
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