Minha Metodologia de Pesquisa: Pesquisa Guiada-pela-prática?

 “No entanto, muitos pesquisadores guiados-pela-prática não iniciam o projeto de pesquisa com a consciência de “um problema”. Na verdade, eles podem ser levados por aquilo que é melhor descrito como “um entusiasmo da prática”: algo que é emocionante, algo que pode ser desregrado, ou, de fato, algo que somente pode tornar-se possível conforme novas tecnologias ou redes permitam (mas das quais eles não podem estar certos). Pesquisadores guiados-pela-prática constroem pontos de partida empíricos a partir dos quais a prática segue. Eles tendem a “mergulhar”, começar a praticar para ver o que emerge. Eles reconhecem que o que emerge é individualista e idiossincrático. Isso não quer dizer que esses pesquisadores trabalham sem maiores agendas ou aspirações emancipatórias, mas eles evitam as limitações das correções de pequenos problemas e das exigências metodológicas rígidas no primeiro momento de um projeto.” (HASEMAN, 2015, p. 44)

    Talvez esse seja a metodologia que eu estou aplicando inconscientemente na minha pesquisa. Isto é, iniciei o meu projeto de pesquisa com um problema a ser testado, mas que não está muito claro de que maneira isso seria testado: eu queria testar possibilidades e formas de integração de multi-habilidades artística num único corpo. 

    Pensando neste problema inicial, ainda na elaboração do projeto, pensei numa forma de operacionalizar essa proposta por meio de uma abordagem mais qualitativa: cheguei no resumo da performance como a junção do movimento com o som e pensei em diversos exercícios que poderiam resultar numa integração da visualidade e do som na performance cênica, apliquei esses exercícios com a turma de TEAC Huguianas, registrei audiovisualmente os experimentos e, por fim, observei e refleti sobre os resultados obtidos.

    No entanto, essa proposta inicial já despertou diversas outras propostas experimentais como a ideia de que o coro se manifesta no grupo, mas também no indivíduo quando este utiliza uma diversidade de meios de expressão simultaneamente. Essa proposta segue necessitando de experimentação. Também observei a necessidade de ter um grupo mais dedicado de artistas para a realização de experimentos mais avançados nessa proposta integrativa. Isso também necessitaria de novos experimentos além de um novo grupo de participantes. Além disso, houve a descoberta da noção de performance ritualística num espaço liminar na linha proposta por Schechner e inspirada por Turner. Essa noção traz todo um novo aspecto para a investigação sobre multi-habilidades e performance, pois insere a noção de que a performance está além da cena e, portanto, evolve aspectos íntimos dos participantes, por vezes até espirituais e psíquicos que também pedem experimentação. E, para não deixar de lado, também há a questão da abordagem capoeirística para a cena, uma abordagem que utiliza noções mais integradas advindas da capoeira para fundamentar um estudo multi-artístico para cena.

    Assim, percebo que a pesquisa está indo para todo um outro lado, um lado mais investigativo que já estava presente desde o início, mas que somente agora parece consciente. Me parece ingênuo que eu consiga "executar" o plano ipsis litteris proposto no projeto de pesquisa, pois uma vez que alguns experimentos já foram realizados eles agora alteraram a direção da pesquisa.

“A segunda característica de pesquisadores guiados-pela-prática reside na sua insistência de que os resultados da investigação e as reivindicações de conhecimento devem ser feitos através da linguagem simbólica e forma de sua prática. Eles têm pouco interesse em tentar traduzir as conclusões e entendimentos da prática nos números (quantitativa) e palavras (qualitativa) preferidos pelos paradigmas tradicionais de investigação. Isso significa, por exemplo, que o romancista guiado-pela-prática afirma a primazia do romance; “para o designer de interação 3-D, ela é o código de computador e a experiência de jogar o jogo; para o compositor, é a música; e para o coreógrafo, é a dança. Essa insistência em relatar a pesquisa através dos resultados e formatos materiais da prática desafia as formas tradicionais de representação da reivindicação de conhecimento. Significa ainda que as pessoas que desejam avaliar os resultados da pesquisa também precisam experimentá-los de forma direta (copresença) ou indireta (assíncrono, gravado).” (HASEMAN, 2015, p. 45)

Me pergunto então qual é a implicação desta abordagem: Então significa que o conhecimento, neste caso, não está no livro, mas na prática. Isso me parece bastante semelhante à como alguns mestres de capoeira se manifestam sobre a sua prática: a ideia de que é preciso experimentá-la para conhecê-la. Ler ou falar sobre não são suficientes. Também me parece o mesmo com o teatro, mas como diferenciar uma pesquisa teatral do simples ato de realizar teatro? Parte da resposta para isto está no objetivo da prática: se o objetivo é produzir um espetáculo, um produto cultural, então me parece que esta é uma atividade capitalista que serve não para gerar conhecimento (ainda que se utilize de conhecimentos para a sua execução), mas para fazer girar o capital; por outro lado, se o objetivo é a própria experiência cênica, então temos uma situação em que o conhecimento da cena se torna o motor da atividade performática.

Então me pergunto: resultado da pesquisa pode ser os próprios corpos dos participantes que agora conseguem realizar as atividades multi-performáticas propostas? Se expostos na forma de uma performance isso poderia ser um resultado assim o como o capoeirista e a roda de capoeira constituem o próprio conhecimento da capoeira. Uma coisa é o conhecimento sobre a capoeira e outro é o conhecimento da capoeira.

Talvez o ponto central desta discussão está na não separação entre fazer e pensar artístico. Fazer arte e pensar sobre ela devem, ao meu ver, ser um só movimento, pois se trata de ser um modo de vida e não uma atividade específica.


Passos



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