Câmera lenta como arma contra a opressão do desempenho
Câmera lenta como arma contra a opressão do desempenho
Em seu livro Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han descreve como as formas de opressão mudaram de um paradigma disciplinar - como descrito por Foucault - para um paradigma do desempenho. Ele mostra como a figura do patrão que explora o trabalhador está sendo substituída pelo próprio trabalhador que oprime e explora a si mesmo por meio da pressão para o desempenho. Na sua visão trabalhador se tornou o explorador de si mesmo pelo excesso de positividade, pela mentalidade de que tudo é possível, pela ideia de que ele consegue ser o dono de si mesmo e que o seu sucesso depende apenas de seu próprio trabalho. Essa auto-responsabilidade estaria ligada a uma auto-pressão pelo sucesso que o acompanha em todos os momentos da sua vida, pois não se pode fugir de si mesmo. Enquanto o oprimido antes podia ter um momento de descanso (ainda que curto) longe do patrão quando voltava para casa após um dia de trabalho, o oprimido moderno é explorado pelo patrão interno em todos os momentos da sua vida, até mesmo enquanto dorme. Todos os momentos têm de ser de produtividade e quanto mais rápido melhor.
Em contraponto à essa lógica temos a técnica da câmera lenta que venho trabalhando nesses anos todos. Na lentidão extrema que ela propõe vejo um estado contemplativo que está se tornando cada vez mais raro na lógica produtivista contemporânea. Se a doença de hoje é a hiper-produtividade (ou pelo menos a pressão pela hiper-produtividade) então uma atitude contemplativa que proporciona fazer menos por mais tempo vai na contramão dessa lógica e, portanto, na contramão da opressão. A câmera lenta pode ser vista como um remédio contra tantas doenças modernas, pois, no fundo age como uma revolução contra os mecanismos de opressão interna. A lentidão obriga o performer a se debruçar sobre cada milissegundo do seu movimento e sobre cada fragmento de objeto sensorial que chega nos seus sentidos. Em sua essência ela é uma espécie de meditação ativa-criativa. Ativa, pois está em movimento, meditação, pois se trata de um exercício contemplativo de se firmar no momento presente e criativa, pois no ato de não fazer (ou de fazer o mínimo possível) surgem manifestações profundas que jamais poderiam ser concebidas por uma mente produtivista.
Nesse sentido a câmera lenta é taoísta, pois fala da ação na não-ação, do wu-wei. Fazer menos gera uma expressividade inesperada e criativa (em contraposição à uma expressividade produtivista onde a expressão artística serve aos designíos do mercado e não do artista ou mesmo do público).
A câmera lenta, portanto vai na contramão do desempenho, da produtividade, da pressão pela criação, pois ela - se bem feita - tende a calar a mente macaco que deseja desenfreadamente realizar ações pré-concebidas. Em lugar dessa mente inquieta resta apenas uma abertura para o desconhecido, uma abertura para aquilo que não pode ser pré-concebido, pois só pode ser criado no silêncio mental.
Me pergunto se há mesmo uma criatividade produtivista quando tantas produções artísticas servem mais aos princípios de mercado do que aos princípios artísticos.
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