Encontro do dia 29 de Outubro de 2024 (TEAC Huguianas)

  Aquecimento:

    Com o instrumento na mão, em câmera lenta, fazemos o que queremos de olhos fechados. O objetivo é abrir os sentidos, o sentir, a sensibilidade artística. Principalmente os ouvidos: ouvir tudo o que há a volta e deixar aquele som interferir no nosso movimento em câmera lenta. 

    As cigarras estavam cantando nas árvores do lado de fora. Depois de um certo tempo ouvindo a sua sinfonia propus para que imitássemos com os instrumentos o som das cigarras: aquele som que começa devagar e solitário e vai aumentando o andamento e o preenchimento sonoro. Chegamos ao ápice e silenciamos. Depois tentei continuar a criação sonora com uma segunda onda de cigarras instrumentais, mas um dos participantes interrompeu a onda... (Tenho uma reflexão sobre isso abaixo)


Reflexão sobre continuidade criativa, arte e enteógenos:

    Um dos fundamentos desta técnica é a continuidade da criação. Não abordei isso com a profundidade necessária na dissertação, mas percebo hoje que este é definitivamente um aspecto fundamental do trabalho do Hugo. É como se todos os exercícios partissem do pressuposto de que estamos numa viagem psicodélica. Psicodélica não no sentido de que acontecimentos absurdos acontecem (apesar de que eventos deste tipo são perfeitamente possíveis e até comuns nessas práticas), mas espelhando o fato de que quando estamos sob o efeito de algum psicotrópico não é possível sair da "viagem" até aquela substância ser completamente consumida. Assim também deve ser o nosso trabalho artístico: uma vez iniciado ele não deve ser interrompido em nenhum momento. Uma vez iniciada a aula ou o espetáculo, não é possível parar, não é possível descansar, pois todos os momentos são potencialmente criativos.

    A diferença é que não é uma viagem conduzida por um enteógeno, mas sim pela psicodelia da arte. Sensações estéticas podem ser tão envolventes quanto substâncias externas caso estejamos abertos para nos deixar conduzir por esses estímulos. Metafisicamente, os dois estados podem ser equiparados uma vez que ambos implicam uma alteração da consciência. Evidentemente que na viagem artística não estamos sendo forçados por nenhum agente externo, portanto, podemos sair deste estado quando quisermos, mas, do ponto de vista desta técnica, isto não é desejável, pois interromperia o fluxo da criação.

    Uma outra possibilidade (um tanto polêmica, mas que também faz parte dos processos criativos) é a utilização de substâncias psicotrópicas como catalizadores da criação artística. Substâncias como psilocibina, THC e LSD  são famosos por promover aberturas criativas e possibilitarem outras abordagens artísticas por alterarem o estado habitual da mente. Evidentemente que há o fator de descontrole que acompanham esse uso o que, artisticamente, pode ser bom ou não. Particularmente, acho proveitoso ser capaz de atingir esses estados alterados de consciência sem o auxílio de um agente externo, pois isso, para mim, caracteriza um entendimento técnico sobre a sua própria sensibilidade artística. Por outro lado, esses agente podem ser úteis no destravamento de barreiras iniciais que podem parecer a princípio intransponíveis.

    Em suma, é um equilíbrio delicado que precisa ser estudado com cautela e responsabilidade, sem descartar os potenciais criativos que são evidentes. Contudo, a analogia é muito útil para o entendimento deste fundamento técnico: a continuidade criativaÉ preciso entrar em cena com o intuito de nunca sair dela enquanto a viagem não acabar.


Exercício de experimentação individual em cena com instrumentos ou "Tocar como um ator":

    Em seguida passamos para o primeiro exercício: Experimentar possibilidades sonoro-cênicas com o instrumento musical de forma individual e em cena. Um por um, cada um experimentou de formas diferentes.


Explorar VS interpretar:

    De maneira geral o entendimento da exploração foi alcançado, mas ainda há uma dúvida sobre a experimentação: Muitas vezes, quando se quer improvisar, embasamos nossa improvisação numa narrativa interpretativa e não na exploração sensorial. Isso é o que o Hugo chamava de interpretar.

    Por exemplo, na aula de hoje uma atriz foi explorar possibilidades sonoras com o violino. A sua primeira ação, contudo, foi deixar o violino no chão e explorar uma narrativa com o arco do violino imitando um arco e flecha. Uma "historinha" foi criada na qual ela atirava uma flecha e depois recebia uma flechada. Já tinha se passado quase um minuto de cena e nada foi explorado sonoramente, apenas interpretativamente. Quando interrompi o exercício, ela me disse que já ia pegar o violino daqui a pouco. Então fica a pergunta: se a proposta é exploração sonora com o instrumento, para que serviu aquele primeiro minuto de cena? A resposta para mim é clara: a exploração sonora, para ela, era secundária à narrativa cênica, à interpretação de uma história.

    Não quer dizer que aquele primeiro minuto de cena não tivesse valor artístico, não se trata disso. Mas sim que o exercício foi transformado de uma proposta de exploração para uma proposta de interpretação. Esse entendimento é fundamental para a nossa proposta de improvisação: não se trata de contar uma história, mas deixar que a descoberta seja a própria história.


Exercício final: Pequena Banda de Atores:

    Ao final do treino propus para que tocássemos juntos mesmo não sendo musicistas abrindo os ouvidos para entrarmos na proposta do outro. Tocar junto não é o mesmo que tocar ao mesmo tempo. Tocar junto implica entender o que está sendo feito e compor com aquela proposta. Uma dinâmica ficou clara: é preciso ser assertivo! Quanto mais assertivo formos em nossa proposta, mais fácil é para o outro compreender qual é a proposta e brincar com ela. Outra dinâmica que ficou clara para mim: o espaço da improvisação vem depois que a proposta de composição coletiva já estiver estabelecida. Os passos para a criação musical coletiva improvisada de não musicistas podem ser ordenados assim:

  1. Alguém propõe algo.
  2. Ouve-se a proposta.
  3. Propõe-se uma composição que dialogue com a primeira.
  4. Ouve-se a proposta coletiva.
  5. Propõe-se uma terceiro diálogo.
  6. Ouve-se a proposta.
  7. Repete-se esse caminho até que todos estejam contribuindo e dialogando.
  8. Ouve-se a composição coletiva e avalia-se caso esteja consolidada e segura.
  9. A composição coletiva está segura.
  10. Individualmente, como posso alterar aos poucos minha proposta de maneira a não quebrar nem o fluxo e nem a solidez da composição coletiva?
    Essa abordagem se assemelha à da música minimalista na qual um elemento se repete e estabelece um padrão no qual outros elementos podem ser inseridos. Não é a única possibilidade coletiva, mas certamente é uma possibilidade que didaticamente facilita para quem ainda tem dificuldades com o entendimento musical.


Registros:

Parte 1:

https://youtu.be/7idiFJZ12us

Parte 2:

https://youtu.be/AI89lv-scPM

Parte 3:

https://youtu.be/Q2A3SxrJmAU

Parte 4:

https://youtu.be/nhBFtSYk4WI

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