A pedagogia da Capoeira para a integração de múltiplos campos artísticos

 Reflexão

    Nesta busca por integração de campos artísticos no teatro me deparo com outra parte das minhas atuações culturais: a minha trajetória como capoeirista de angola. Nos meus anos de formação eu cursei várias disciplinas artísticas e culturais: fiz aula de canto, de dança, de violino, de piano, de circo, de atuação e de diversas artes marciais como o karatê e o Pa-Kua. Tudo isso num esforço de ampliar as minhas capacidades expressivas, mas sempre num formato compartimentalizado em que cada aula abordava especificamente a uma disciplina artística em particular. Mais tarde tive o meu primeiro contato com a capoeira angola e percebi atônito uma única atividade que apresentava não apenas no seu resultado final (a roda de capoeira) como na sua pedagogia diversos campos artísticos integrados. Costumo brincar que se eu tivesse encontrado a capoeira angola num momento anterior da minha trajetória artística talvez eu não tivesse estudado a diversidade de disciplinas que estudei, pois já encontraria numa só atividade tudo o que eu buscava.

    O capoeirista de angola não é apenas um artista marcial, um dançarino, um musicista, um cantor, um ator, um acrobata e um mandingueiro, mas todas essas coisas e ao mesmo tempo nenhuma delas. Esse costume de equiparar a capoeira a alguma outra atividade cuja ontologia já esteja claramente delimitada no esforço de tentar compreender essa atividade única me parece no melhor dos casos uma ignorância de pensadores que observam a capoeira de fora. No pior dos casos consiste num mecanismo colonial de opressão dos conhecimentos não alinhados à branquitude.

    O fato é que nenhuma dessas categorias consegue dar conta da capoeira angola, pois, dentre outros motivos, partem do princípio de que atividades culturais são compartimentalizadas e que a união dessas atividades consiste numa exceção esdrúxula. Ao contrário desse entendimento, o capoeirista sabe que sua atividade cultural não é subordinada a nenhuma outra categoria que ela própria e, por este motivo, ao meu ver, deveríamos tratar a capoeira como uma categoria cultural adicional em par de igualdade com a dança, o teatro, o cinema, a pintura, o circo, as artes marciais, a música, etc...

    Por tudo isso, me pergunto se a pedagogia da capoeira angola da forma como eu a aprendo todos os dias ao lado do meu amigo e guia Mestre Leninho do grupo "No Pé do Berimbau", não pode servir de exemplo e/ou ponto de partida para um entendimento integrado dos campos artísticos.

    Esse experimento foi realizado ao longo do semestre 1/2024 da disciplina TEAC Huguianas onde procurei aplicar de maneira mais ou menos intuitiva princípios da capoeira angola como metodologia de formação de atores multiartísticos (que cantem, dancem, atuem, façam acrobacias e toquem instrumentos musicais). Alguns resultados foram especialmente bem sucedidos como quando, ao final do semestre fizemos um experimento similar ao formato de um roda de capoeira no sentido de que os participantes ficavam em uma banda centralizada no palco e realizavam a trilha sonora da cena. Esta, por sua vez era composta de 1 ou mais atores que se descolavam da banda e entravam em cena para criarem de improviso algo cênico da mesma forma como os capoeiristas esperam sua vez para pedirem a bênção ao Gunga e iniciarem o jogo da capoeira. No nosso caso era um jogo cênico que era criado. A estética do jogo não se assemelhava à capoeira ainda que os princípios estruturais da roda servissem de fundamento para a cena como um todo. Experimentos como este me pareceram muito úteis para compreender formas de integração de campos artísticos e precisam ser melhor elaborados e aplicados ao longo desta pesquisa.

    

Algumas referências de trabalhos acadêmicos sobre capoeira e o teatro


SCHIMITH, Mateus. A poética do ator e o encantamento na capoeira. Revista Latino-Americana de estudos em Cultura e Sociedade. V. 05, ed. especial, maio, 2019. Artigo n° 1575. ISSN: 2525-7870. [Este não é de um capoeirista de angola, mas regional]

SCHIMITH, Mateus. Estados de corpo: vias de aproximação entre capoeira e teatro na poética de um ator. Dissertação de Mestrado. UFBA: Salvador, 2013

LIMA, Evani Tavares. Capoeira angola como treinamento para o ator. Dissertação de Mestrado. UFBA: Salvador, 2002.









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